Do seu relicário

22:11 Dulce Miller 19 Comments



Ela sempre sentia uma estranha liberdade em dias chuvosos. Quando o mundo não parecia um lugar seguro, a chuva que caia lá fora aparecia como uma dádiva ou um consolo.
Estava numa auto-prisão, num auto-flagelo. Se dependesse da sua vontade, teria lacrado aquele quarto. A lembrança dele era quase sufocante ali e envolvia com imensa incredulidade os dias que se seguiram àquilo que foi como a morte. E depois veio a tristeza, porque a mente sabia o que o coração ainda não podia aceitar. 

Continuar naquela inércia seria ainda pior. Decidiu reagir e quando seus músculos protestaram, ela os ignorou. Estava disposta a fazer qualquer coisa para apagar a sensação de vazio que parecia dominar sua vida. Armada com panos, vassoura, um lustrador de móveis e o aspirador de pó, pôs-se a trabalhar, sob a claridade frouxa que vinha de fora. Livros, revistas, fotos, cartas e as melhores lembranças, tudo no cesto do lixo.

Quando o crepúsculo chegou ela acendeu as luzes, respirou fundo e especulou se não havia um motivo mais profundo para agir daquela forma. Havia sim, uma lacuna em sua vida que se expandindo… seria injusto!

- “Há muita coisa para fazer aqui” – disse a si mesma, enxugando os olhos pelo reflexo dos vidros molhados da janela - “Farei qualquer coisa que meu coração desejar”.
E de repente tudo ficou calmo, uma estranha calma. Pena que os sentimentos calmos sejam tão efêmeros e dissimulados.

[Du]
O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou.
Como um gatilho sem disparar
Você invade mais um lugar
Onde eu não vou
Sobe a lua porque longe vai?
Corre o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite
Porque está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se por
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for
Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente dura: o futuro amor
Eu sou a chuva pra você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou
O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor
O que você está dizendo?
Um relicário imenso deste amor
[Relicário – Nando Reis]


[republicando e mantendo os comentários originais]

19 comentários:

  1. Anônimo07:56

    Chuvas, sempre inspirando sentimentos que estão guardados no fundo de nossas almas!!!

    Beijos, querida!!
    Bom diiia!!
    *Aqui chove constantemente!!

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  2. Du,

    Antes de tudo, adoro essa música. É a velha história de transformar amor em enfeite.

    E eu gostei muito do texto. Um dia calmo, de chuva e muitas coisas por fazer. A calma antes da tempestade.

    E aqui onde moro, chove muito. =)

    Beijos.

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  3. Ai, a chuva. Ela normalmente não me dá forças para fazer trabalhos braçais e ainda me deixa com uma certa moleza no corpo e na alma, mas fiquei com vontade de esquecer que a chuva está batendo em minha jenela e ir fazer "qualquer coisa que meu coração desejar".

    E Relicário é uma ótima trilha para o meu dia chuvoso.

    Beijos, Duzinha querida!

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  4. Sabe Du, acho que uma das coisas mais importantes no fim é o recomeço... É no recomeço que a gente testa nossa força verdadeira. Porque o fim é eventual, tantas vezes acontece, muitas independente da nossa vontade. Mas o recomeço, não. Ele é nosso; nós fazemos dele o que quisermos e como quisermos.
    E eu já tive um relicário, como o do seu texto... um dia eu resovli queimar tudo. Aliviou bem. rsrs.

    Lindo o texto, Duzinha. Estava com muitas saudades daqui, muitas. Saudades de vc. Espero que vc esteja bem...

    beijos.

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  5. A música me lembrou alguém especial.

    E tem uma coisa interessante... Eu sei muito bem o que é sentir uma "estranha liberdade em dias chuvosos". É algo que eu não sei explicar.

    Bj Du.

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  6. Anônimo20:34

    Eu adoro chuva! Trancar-me no quarto seria a melhor opção nesses dias chuvosos, pensar um pouco, refletir sobre a vida, como ela anda, se ela está boa ou ruim, como eu poderia melhorar... Mas felizmente sempre tem alguém que me manda levantar da cama, erguer a cabeça e seguir em frente. Chorar é bom, desabafar é ótimo, mas tem que chegar a hora de parar tudo e recomeçar!

    Você escvreve divinamente!
    Beijoos, Duh!

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  7. A Duzinha tá cheia dos gifs que chovem. Eu tô pra roubar e postar, afinal, aqui não faz outra coisa além de chover, chover, chover...

    Às vezes faxinar a alma é bom, faz bem e deixa tudo limpinho. Basta aumentar o som e mãos à obra!

    Beijinho, Du

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  8. Cármen23:50

    Tenho um sonho de ter um relicário!Se souber onde posso comprar um me avisa!Quero um relacário fashion!!!
    bjs,

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  9. "Pena que os sentimentos calmos sejam tão efêmeros e dissimulados."
    Isso é bem verdade. Que chato. Dias chuvosos são realmente mágicos.
    Um beijo

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  10. querida,
    desta vez (a recíproca é sempre verdadeira) fostes tu que me fizeste chorar. e agora espero que a chuva, não só, te traga ao coração cor e coragem, sempre. beijos. denison

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  11. Que a chuva lave e leve o que passou, e limpe os olhos para ver coisas novas...

    Boa semana!

    Bjs.

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  12. Dias chuvosos são Dias assim: http://misticasfemininas.blogspot.com/2009/09/dias-assim.html
    E ainda hj vim ouvindo esta musica, confirmando a sincronicidade na minha vida.

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  13. Oi flor...
    Lindo texto...

    "Livros, revistas, fotos, cartas e as melhores lembranças, tudo no cesto do lixo." - Fiz isto estes dias.. por isto me identifiquei muito com ele...

    E como está o novo trabalho?? Mande notícias...

    ;0

    Bjos e boa semana!

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  14. Duzinha,

    Esse Blog é um Show!!! Ele é a sua cara e fala-nos muito sobre vc e seus sentimentos.Parabéns!! Gosto de vir aqui,aprendo,recarrego minhas baterias com tanta coisa boa.Beijos

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  15. Anônimo22:24

    Olá! Senti nesse texto a idéia de renovação. Mudança. O vazio as vezes é o pedido de acontecimentos novos...pedido de mudanças..
    Lindo texto, abraços!!!!!

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  16. Jogar lembranças no lixo não resolve nada, mas que ajuda e dá uma sensação de mudança por ter se desfeito das lembranças pelo menos em matéria é um ótimo começo. Belo post. Amo essa música !

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  17. É como uma resposta a algo abstrato, a um sentimento inquieto, a uma sensação de vazio, a tudo isso, a mente que ainda insiste, o coração que ainda pulsa exigem uma reação, o corpo reage, torna visível aos olhos um esboço do que quer mudar por dentro, diante do feito, a calma paira sobre o corpo cansado que alivia a tensão emocional trazendo uma paz que não precisa de explicação, preenchendo o que antes estava vazio com uma nova força pra recomeçar.

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  18. obrigado pela visita e pelos seus comentários!
    parabéns pelo seu blog, é muito bacana.
    um grande abraço. até a próxima.

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  19. Bravo! E eu, que entrei aqui por causa do título (que me é sempre tão caro, amiga-relicário!), surpreendi-me com a dimensão da tua postagem, de verdade... Ora, há sempre muito a fazer! E, quando acabas a chuva lá fora, cá dentro me emocionei com o teu crescimento por sobre as coisas domésticas e por sobre o mundo lá fora... Lindo! Controlas até o tempo! E o arremate com o Nando foi singelamente belo... Obrigado e parabéns!

    Olhe, volte lá aos Morcegos! Agora! E mais freqüentemente, viu? Volte sempre! E logo mais... Fiquei doido com o retorno: tem um monte de 'posts' novinhos, cheirando a pão fresquinho! Beijão bem grande!

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