Fragmentos de Flora Figueiredo

06:46 Dulce Miller 17 Comments


A pedidos
Querem um verso,
mas não sou capaz.
Vejo a palavra fraturar
as entrelinhas,
tento soldá-las,
mas não são minhas.
Rompeu-se o verbo
e me deixou pra trás.

Comunicado
Só por hoje
vou rasgar os códigos.
Desacato as regras,
os preços módicos.
Só por hoje
desacredito das retas,
descarrilho do trilho,
desvio das setas.
Preciso de tempo pra sonhar,
respirar fundo e carregar na mão
o sal da vida e o mel do mundo.
Se o compromisso tocar a campainha,
peço que aguarde na casa vizinha,
mansamente, sem fazer alarde.
Mas comunico a todos pela imprensa
que sumiu a lucidez.
Pediu licença.
É só por hoje,
mas agora é minha vez.

Flutuações
O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou a trôpega ilusão,
até que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se de seu reino idealizado,
veio pousar tamborilante em minha mão.
Assim, aquecido e aconchegado,
parece que se esqueceu de ir embora.
Na hora em que ressona distraído,
eu lhe pingo malemolências ao ouvido,
à sua inquietação eu me sujeito.
Eis que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu corpo repousa no meu peito.

Enlevo
Eu olho você grande e distante
e da sua grandeza me comovo
e da sua distância me revolto.
Olho de novo.
Procuro reter em minhas mãos sua figura
mas ela gesticula, oscila e cresce
e numa inconstância distraída
no instante exato
por trás da vida desaparece.
Um desacato.
Do meu desaponto eu me levanto
pra levar embora outro desencanto
mas você me divisa e então me chama.
Me aguarda, reclama e me convida
e minha vida nessa ansiedade por fim entrego.
E nesse amor feito de espuma colorida
nós flutuamos: você borbulha, eu escorrego,
ensaboados, você explode, eu me desintegro.

Estou perdidamente emaranhada
em seus fios de delícias e doçuras.
Já não encontro o começo da meada,
não sei nem mesmo
se há uma ponta de saída,
ou se a loucura
vai num ritmo crescente
até subjugar a minha vida.
Não importa.
Quero seus nós de seda
cada vez mais cegos e apertados
a me costurar nas malhas e nos pêlos.
Enquanto você me amarra,
permanece atado
na própria trama redonda do novelo

Retirada
Respeite o silêncio
a omissão,
a ausência.
É meu movimento de deserção.
Abandonei o posto,
rompi a corda,
desacreditei de tudo.
Cansei de esperar que finalmente um dia,
minha fotografia
fizesse jus ao seu criado-mudo.

Vento novo
Estava enrolada
em teias e traças,
debaixo da escada,
lá no subsolo
da casa fechada.
Começava a tomar ares de desgraça.
Manchada do tempo,
fenecia
a esperar que um dia
alguma coisa acontecesse.
Antes que se perdesse completamente,
sentiu passar um vento cor-de-rosa.
Toda prosa, espanou a bruma,
pintou os lábios
e sem vergonha nenhuma
caprichou no recorte do decote.
A felicidade volta à praça
cheia de dengo e de graça,
com perfume novo no cangote.



Bio-bibliografia:
Poetisa, cronista e tradutora paulista, é autora de Florescência (1987), Calçada de Verão (1989) e Amor a Céu Aberto (1992). São características da poesia de Flora Figueiredo: a linguagem concisa, a economia e sutileza verbais, onde o silêncio entre as palavras é também instrumento de comunicação da emoção. Flora, ao compor, sinaliza ao leitor caminhos a seguir, indicando sempre a intimidade do sentir com firmeza e argúcia. Percebe-se em sua escrita, a familiaridade com o traçado das estradas do coração. O romantismo, a sensualidade e a irreverências são aspectos consistentes e marcantes de sua poética. Flora nos diz que ao compor, tenta “beijar a alma do leitor”. E isto acontece facilmente, quando nos deparamos com sua tônica lírica e seu idioma de ternuras. Foi prefaciada por personalidades de renome do mundo literário, como Olavo Drummond, Fábio Lucas, Josué Montello. Flora possui livros que são utilizados na rede municipal de ensino de São Paulo. Suas obras também estão entre as produções brasileiras que constam do Centre International d'Etudes Poétiques.

Poemas e biografia retirados do Jornal da Poesia

17 comentários:

  1. Anônimo08:28

    Bom diia, Du!!
    Eu conheci essa autora casualmente e me encantei!! Foi num domingo a tarde enquanto estávamos reunidos em minha casa, num dia de vinhos, queijos, conversas e músicas... Então uma amiga falou alguma coisa e perguntamos se ela dela, então ela disse que era da Flora. Fiquei curiosa e então essa minha amiga me mostrou alguns livros dessa brilhante autora e aii pronto, fiquei encantada!!
    O primeiro verso que ouvi foi esse:

    "Não deixe portas entreabertas. Escancare-as Ou bata-as de vez. Pelos vãos, brechas e fendas Passam apenas semiventos, Meias verdades E muita insensatez."
    (Flora Figueiredo)?


    Tem esse outro:

    "O sol desceu pelo escorregador e fez o mundo sorrir tão de repente, que toda a gente parou para assistir. Coisas de Verão ... É o coração que fica adolescente, o corpo forte, de pé para aplaudir."
    (Flora Figueiredo)


    E tantos outros...
    Tudo perfeito!!!
    Adorei mesmo vê-la por aq!!
    Beijos

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  2. Oi Moça,
    Bom dia!

    Gostei dos Fragmentos, em principal "Retirada"...

    Boas escolhas....

    Bjos e tenha um bom dia...

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  3. Eu gosto é mto qdo tu me apresenta gente boa. Ainda mais talentos femininos na literatura. Ao passo q me mostra q pouco conheço de literatura, também me mostra o mostra que há mto além daquilo q eu já conheço...

    É bom! Pq isso ñ acontece so comigo e os teus leitores se sentem bem gratos.
    Tu tem/já leu Ciranda de Pedra, da tua recente musa, Lygia??
    Quero te presentear. Dizem q foi ali q ela alcançou a maturidade literária dela. Por isso, considerado o primeiro livro, mesmo c outros 'rascunhos' precoces...


    Bjos, querida!

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  4. Cara, adorei cada palavra, que em seu lugar, formaram estes lindos versos. *-*

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  5. Não conhecia e com certeza foi uma bela apresentação.
    Amei todos os fragmentos colocados em especial "Flutuações"!
    Perfeito Duzinha, como sempre aprendendo contigo.
    Beijos e beijos de uma linda e maravilhosa semana!

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  6. Que bom ver que leitores teus que não conheciam essa autora maravilhosa, podem agora se sentir "beijados na alma" por ela!
    Mais uma vez obrigada pelo presente Du!Esse presente foi muito especial! Bjoss minha querida!

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  7. Du, eu simplesmente amo Flora Figueiredo. Sua poesia é segunda pele pra mim... Que delícia começar a semana assim. Perfeito.
    A primeira vez que li uma poesia de Flora Figueiredo foi na última página da revista Leia Livros, há anos atrás, na sala de espera do dentista. Pronto. Me apaixonei.

    Método Infalível

    Aproxime-se mais.
    Tente sentir do que um abraço é capaz.
    Quando bem apertado,
    ele ampara tristezas,
    sustenta lágrimas,
    combate incertezas,
    põe a nostalgia de lado.
    É até capaz de amenizar o medo.
    Se for cheio de ternura,
    ele guarda segredos
    e jura cumplicidade.
    Um abraço amigo de verdade
    divide alegrias
    e se apraz em comemorações.
    Abraços são pequenas orações
    de fé, de força e energia.
    Olhe para o lado:
    há alguém que quer ser abraçado
    e não tem coragem de dizer.
    Enlace-o.
    O pior que pode acontecer
    é ganhar de volta um sorriso de carinho
    ou, quem sabe, uma palavra sincera.
    Voce vai descobrir que ninguém está sozinho
    e que a vida pode ser um eterno céu de Primavera.

    Beijos e grata pelo presente

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  8. Du,eu não a conhecia também.Fiquei fã.Obrigado por compartilhar uma poesia tão boa com seus leitores.
    Um abraço.

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  9. Aprendi coisas novas aqui! Gostei bastante do que li!
    =D

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  10. Anônimo22:24

    Ei Du!!!

    Que bom você no blog! Mas não vi sua pariticipação no sorteio do livro " O Senhor March" Veja no post anterior as informações completas.

    Para participar é só deixar um comentário dizendo: eu quero participar!!!

    Beijos
    www.elasestaolendo.blogspot.com

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  11. Olá adorei comunicados, é muito bonito.
    Bjos

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  12. Oi Moça linda

    Tudo muito lindo, mas o que mais chamou minha atenção foi
    Retirada, belissima.

    Todos os dias deveríamos ler um
    bom poema, ouvir uma linda canção,
    contemplar um belo quadro
    e dizer algumas bonitas palavras.

    Pensar é mais interessante
    que saber, mas é menos
    interessante que olhar.

    Um carinho
    Un beso

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  13. Ops! Esqueci do nome do autor do pensamento.

    Johann Wolfgang Von Goethe

    Desculpinha. rs

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  14. Eu nao conhecia Du. E gostei. Poxa, há tanto por conhecer ainda né?
    Gostei. E é claro que essa vai (se nao já foi) para o Coisas Nossas né? Por falar nele (no coisas) vou te mandar um email.
    Bj!!!

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  15. Anônimo15:20

    Perfeitos. Será que eu um dia escreverei assim?

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  16. ao ler alguns de seus poemas vejo um espelho de minha vivencia...

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  17. Flora, Flor, folhas fragmentos...grata surpresa.
    Embebida por suas poesias e cronicas.

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