Fragmentos de Amalia Bautista
Sei que me estou a afogar, mas ao menosconsigo manter a cabeça de fora.Por isso, peço-te,não venhas tu fazer ondas.
Não houve nunca deus, nem virgens, nem santos,nem ícone que proteja, nem oração que console;nunca houve milagre ou prodígios,nem salvação da alma ou vida eterna;nem mágicas palavras, nem bálsamo eficazcontra a dor que nunca se atenua;nem luz do outro lado das sombras,nem saída do túnel, nem esperança.Só nos acompanha nesta travessiaum anjo da guarda perplexo que suportauma vida de cão igual à nossa.
Conta-me outra vez, é tão bonitaque não me canso nunca de a ouvir.Repete-me de novo, os dois da históriaforam felizes até à morte,ela não foi infiel, ele nemse lembrou de a enganar. E não te esqueças,apesar do tempo e dos problemas,continuavam a beijar-se cada noite.Conta-me mil vezes, por favor:é a história mais linda que conheço.
Ao Fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam por muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.
Todos os dias sussurro para mim mesma,
mantém o equilíbrio. Tudo te persegue,
tudo assusta, a tua vida inteira depende
de um frágil fio e de um azar injusto.
A tua vontade não pode grande coisa.
Não percas o pé. Mantém o equilíbrio.
Conduzir mas sem ter um acidente,comprar massas e desodorizantese cortar as unhas às minhas filhas.Madrugar outra vez e ter cuidadoem não dizer inconveniências,esmerar-me na prosa de umas folhase estou-me nas tintas para elas,retocar de vermelho cada face.Lembrar-me da consulta ao pediatra,responder ao correio, estender roupa,declarar rendimentos, ler uns livros,fazer umas chamadas telefónicas.Bem gostaria de me dar ao luxode ter o tempo todo que quisessepara fazer só coisas esquisitas,coisas desnecessárias, prescindíveise, sobretudo, inúteis e patetas.Por exemplo, amar-te com loucura.
Há meses que vivo rodeadapor uma substância negra e pegajosaque invadiu a minha casa. As paredes,o chão, as janelas e os móveis,a comida, os livros e a roupa,o teclado do computador, as plantas,o telefone… Está tudo impregnadocom esta pez escura, a mesma que respiroe que me mata pouco a pouco.Dizem que os venturosos e os néscioschamam melancolia a esta porcariaque apodrece o coração e asfixia a alma.
Nunca saberemos se os enganadossão os sentidos ou os sentimentos,se viaja o comboio ou a nossa vontadese as cidades mudam de lugarou se todas as casas são a mesma.Nunca saberemos se quem nos esperaé quem nos deve esperar, nem sequerquem temos de aguardar no meiode um cais frio. Não sabemos nada.Avançamos às cegas e duvidamosse isto que se parece com a alegriaé só o sinal definitivode que nos voltámos a enganar.
Deixa que te seduza a dentadinhas,sente na pele as pétalas de rosaque sabem ser seus lábios quando quer.Escuta como chama e como cala,entrega-te aos seus gestos, à ausênciade gestos, e derrete-te se podessem pudor, sem reparos nem vergonha,perante o seu convite ou face ao teu.Queima as normas de comportamentoe despedaça a boa educação,estilhaça os costumes, reabilitapor uma noite ao menos a loucura.Um último detalhe imprescindívelpara que tudo saia em condições:procura que não seja o teu marido.
Jornalista de formação, trabalha como redactora no gabinete de Imprensa do Conselho Superior de Investigações Científicas.
Publicou La mujer de Lot y otros poemas (Llama de amor viva, Málaga, 1995), Cárcel de amor (Renacimiento, Sevilha, 1988),Cuéntamelo otra vez (La valeta, Granada, 1999), La casa de la niebla. Antología 1985-2001 (Universitat de les Illes Baleares, 2002),Estoy ausente (Pré-Textos, Valência, 2004), Pecados, com Alberto Porlan (El Gaviero, Almería, 2005) e Tres deseos, Antologia)(Renacimiento, Sevilla, 2006).
Que post bonito!! Sublime, adorei!!!Vc coloca coisas de primeira grandeza aqui no Blog.
ResponderExcluirEu gosto muito das matérias do NORTE, coisas de relev^ncia existem por lá. Gostaria de postar alguma coisa de lá, posso??? Te aviso quando postar. Beijos
Adorei!Não conhecia a autora(que vergonha),e passo a ser fã,a partir desse ótimo(como sempre)post.Um grande beijo,Du!!!
ResponderExcluirOi flor..
ResponderExcluirTudo bem??
Gostei mais do 3º.. é fofo este texto... (suspiros..)...r.s
Quanto ao filme, assiste sim... vc vai dar boas risadas.. mas não repare muito que as roupas, estilo e vidas são referentes aos anos 80 tá...r.s.
;)
Bjos
Bom dia filha!
ResponderExcluirNão conhecia e como sempre você me apresentando autora ótimos como essa mulher que pelo meu entendimento é maravilhosa.
Gostei e para mim é a vida que vivemos literalmente nos dias de hoje:
"
Não houve nunca deus, nem virgens, nem santos,
nem ícone que proteja, nem oração que console;
nunca houve milagre ou prodígios,
nem salvação da alma ou vida eterna;
nem mágicas palavras, nem bálsamo eficaz
contra a dor que nunca se atenua;
nem luz do outro lado das sombras,
nem saída do túnel, nem esperança.
Só nos acompanha nesta travessia
um anjo da guarda perplexo que suporta
uma vida de cão igual à nossa."
Falou tudo e mais um pouco.
Espero que você tenha um dia lindo e cheio de luz, não perca a esperança nunca, minha filha, te amo muito, mais do que você imagina.
Beijos e beijos!
Não conhecia e adorei os versos, ficaram em mim, na pele, sabe? Muito bom mesmo... Vou buscar por mais.
ResponderExcluirBeijos Du
Oi querida
ResponderExcluirBelos poemas. Confesso, nunca tinha lido um poema dela.
São tantos poetas , escritores que fica impossível lê-los.
Sendo assim, ficamos gratos por nos presentear com esta maravilha e dizer que tens bom gosto.
Uma linda tarde.
Besos
Du,
ResponderExcluirA primeira é um tapa na cara, rsrs.
" Sei que me estou a afogar, mas ao menos/ consigo manter a cabeça de fora./ Por isso, peço-te,/ não venhas tu fazer ondas."
Muito boa mesmo.
Grande abraço.
Du,
ResponderExcluirOnde está tua caixinha de recados?
E agora?
Saudade.
bjs.
Ta bom, ta bom, ta bom.
ResponderExcluirSem caixinha, beijinhos acá!
Beijooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
bem grandããããooooooooooooooo
Abraçooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
bem fortããããããoooooooooo
#endoidandonamadrugada!