Fragmentos de Olavo Bilac

00:01 Dulce Miller 3 Comments



Via Láctea

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 

E conversamos toda a noite, enquanto 
A Via Láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 

Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

Um beijo

Foste o beijo melhor da minha vida, 
ou talvez o pior...Glória e tormento, 
contigo à luz subi do firmamento, 
contigo fui pela infernal descida! 

Morreste, e o meu desejo não te olvida: 
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento, 
e do teu gosto amargo me alimento, 
e rolo-te na boca malferida. 

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, 
batismo e extrema-unção, naquele instante 
por que, feliz, eu não morri contigo? 

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto, 
beijo divino! e anseio delirante, 
na perpétua saudade de um minuto....

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo 
Na minha a sua boca eu comprimia. 
E, em frêmitos carnais, ela dizia: 
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo! 

Na inconsciência bruta do meu desejo 
Fremente, a minha boca obedecia, 
E os seus seios, tão rígidos mordia, 
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo. 

Em suspiros de gozos infinitos 
Disse-me ela, ainda quase em grito: 
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi. 

No seu ventre pousei a minha boca, 
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca, 
Moralistas, perdoai! Obedeci....

Como a floresta secular

Como a floresta secular, sombria, 
Virgem do passo humano e do machado, 
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado 
Do tigre, e cuja agreste ramaria 

Não atravessa nunca a luz do dia, 
Assim também, da luz do amor privado, 
Tinhas o coração ermo e fechado, 
Como a floresta secular, sombria... 

Hoje, entre os ramos, a canção sonora 
Soltam festivamente os passarinhos. 
Tinge o cimo das árvores a aurora... 

Palpitam flores, estremecem ninhos, . . 
E o sol do amor, que não entrava outrora, 
Entra dourando a areia dos caminhos.

Em mim também

Em mim também, que descuidado vistes, 
Encantado e aumentando o próprio encanto, 
Tereis notado que outras cousas canto 
Muito diversas das que outrora ouvistes. 

Mas amastes, sem dúvida ... Portanto, 
Meditai nas tristezas que sentistes: 
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes, 
Que mais aflijam, que torturem tanto. 

Quem ama inventa as penas em que vive; 
E, em lugar de acalmar as penas, antes 
Busca novo pesar com que as avive. 

Pois sabei que é por isso que assim ando: 
Que é dos loucos somente e dos amantes 
Na maior alegria andar chorando

De outras sei

De outras sei que se mostram menos frias, 
Amando menos do que amar pareces. 
Usam todas de lágrimas e preces: 
Tu de acerbas risadas e ironias. 

De modo tal minha atenção desvias, 
Com tal perícia meu engano teces, 
Que, se gelado o coração tivesses, 
Certo, querida, mais ardor terias. 

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes ... 
Falo-te — e com que fogo a voz levanto! — 
Em vão... Finges-te surda às minhas frases... 

Surda: e nem ouves meu amargo pranto! 
Cega: e nem vês a nova dor que trazes 
À dor antiga que doía tanto

Deixa o olhar do mundo 

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse 
Teu grande amor que é teu maior segredo! 
Que terias perdido, se, mais cedo, 
Todo o afeto que sentes se mostrasse? 

Basta de enganos! Mostra-me sem medo 
Aos homens, afrontando-os face a face: 
Quero que os homens todos, quando eu passe, 
Invejosos, apontem-me com o dedo. 

Olha: não posso mais! Ando tão cheio 
Deste amor, que minhalma se consome 
De te exaltar aos olhos do universo... 

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio: 
E, fatigado de calar teu nome, 
Quase o revelo no final de um verso.

Quando cantas

Quando cantas, minhalma desprezando 
O invólucro do corpo, ascende às belas 
Altas esferas de ouro, e, acima delas, 
Ouve arcanjos as cítaras pulsando. 

Corre os países longes, que revelas 
Ao som divino do teu canto: e, quando 
Baixas a voz, ela também, chorando, 
Desce, entre os claros grupos das estrelas. 

E expira a tua voz. Do paraíso, 
A que subira ouvíndo-te, caído, 
Fico a fitar-te pálido, indeciso... 

E enquanto cismas, sorridente e casta, 
A teus pés, como um pássaro ferido, 
Toda a minhalma trêmula se arrasta...

Por tanto tempo

Por tanto tempo, desvairado e aflito, 
Fitei naquela noite o firmamento, 
Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito, 
Tudo aquilo me vem ao pensamento. 

Sal, no peito o derradeiro grito 
Calcando a custo, sem chorar, violento... 
E o céu fulgia plácido e infinito, 
E havia um choro no rumor do vento... 

Piedoso céu, que a minha dor sentiste! 
A áurea esfera da lua o ocaso entrava. 
Rompendo as leves nuvens transparentes; 

E sobre mim, silenciosa e triste, 
A via-láctea se desenrolava 
Como um jorro de lágrimas ardentes.

Ao coração que sofre

Ao coração que sofre, separado 
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo, 
Não basta o afeto simples e sagrado 
Com que das desventuras me protejo. 

Não me basta saber que sou amado, 
Nem só desejo o teu amor: desejo 
Ter nos braços teu corpo delicado, 
Ter na boca a doçura de teu beijo. 

E as justas ambições que me consomem 
Não me envergonham: pois maior baixeza 
Não há que a terra pelo céu trocar; 

E mais eleva o coração de um homem 
Ser de homem sempre e, na maior pureza, 
Ficar na terra e humanamente amar.

Longe de ti

Longe de ti, se escuto, porventura, 
Teu nome, que uma boca indiferente 
Entre outros nomes de mulher murmura, 
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente... 

Tal aquele, que, mísero, a tortura 
Sofre de amargo exílio, e tristemente 
A linguagem natal, maviosa e pura, 
Ouve falada por estranha gente... 

Porque teu nome é para mim o nome 
De uma pátria distante e idolatrada, 
Cuja saudade ardente me consome: 

E ouvi-lo é ver a eterna primavera 
E a eterna luz da terra abençoada, 
Onde, entre flores, teu amor me espera.

Quando adivinha

Quando adivinha que vou vê-Ia, e à escada 
Ouve-me a voz e o meu andar conhece, 
Fica pálida, assusta-se, estremece, 
E não sei por que foge envergonhada. 

Volta depois. À porta, alvoroçada, 
Sorrindo, em fogo as faces, aparece: 
E talvez entendendo a muda prece 
De meus olhos, adianta-se apressada. 

Corre, delira, multiplica os passos; 
E o chão, sob os seus passos murmurando, 
Segue-a de um hino, de um rumor de festa 

E ah! que desejo de a tomar nos braços, 
O movimento rápido sustando 
Das duas asas que a paixão lhe empresta.

Olavo Bilac (Rio de Janeiro RJ, 1865-1918) começou os cursos de Medicina, no Rio, e Direito, em São Paulo, mas não chegou a concluir nenhuma das faculdades. Em 1884 seu soneto Nero foi publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. Em 1887 iniciou carreira de jornalista literário e, em 1888, teve publicado seu primeiro livro, Poesias. Nos anos seguintes, publicaria crônicas, conferências literárias, discursos, livros infantis e didáticos, entre outros. Republicano e nacionalista, escreveu a letra do Hino à Bandeira e fez oposição ao governo de Floriano Peixoto. Foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1896. Em 1907, foi o primeiro a ser eleito “príncipe dos poetas brasileiros”, pela revista Fon-Fon. De 1915 a 1917, fez campanha cívica nacional pelo serviço militar obrigatório e pela instrução primária. Destaca-se em sua obra poética o livro póstumo Tarde (1919). Parte das crônicas que escreveu em mais de 20 anos de jornalismo está reunida em livros, entre os quais Vossa Insolência (1996). Bilac, autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, é considerado o mais importante de nossos poetas parnasianos. No entanto, para o crítico João Adolfo Hansen, "o mestre do passado, do livro de poesia escrito longe do estéril turbilhão da rua, não será o mesmo mestre do presente, do jornal, a cronicar assuntos cotidianos do Rio, prontinho para intervenções de Agache e a erradicação da plebe rude, expulsa do centro para os morros".

3 comentários:

  1. AMOOO OLAVO BILAC, Du!!!!
    Bela seleção!!
    Beijos com carinho, de quem costuma ouvir estrelas!

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  2. Anônimo22:01

    Já te falei que amo Olavo Bilac??????

    Adoorei a imagem Duu e os versos são liiiiindos!!!!^^

    Beeijos

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  3. MIM


    O tempo transcorre em mim
    Celeremente. Tão afoito que finda.
    Acho que sei, afinal, a que vim.
    E já me vou. Uma pena.
    Não há tempo mais pra mim.
    Volto à silente matéria cósmica
    Que em mim, um dia, se organizou
    Para me ser. Uma vez, uma vez somente.


    DARCY RIBEIRO


    Lindo Blog! Sua criação encheu minha noite de poesia e encanto. Um prazer estar em seu canto.
    Com carinho da Fada do Mar Suave.

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