Surrealismo Urbano

21:32 Dulce Miller 2 Comments


Quinze minutos de caminhada do ponto do ônibus até o trabalho.
Quinze minutos para observar a multidão e a cidade fervendo.
Quinze minutos de "Right To Be Wrong" nos meus ouvidos, bem alto e no repeat, uma gostosa sensação de abandono, com os barulhos do trânsito abafados por Joss Stone cantando só para mim:

"Sinto que tenho asas embora eu nunca tenha voado
Eu tenho minha opinião
Eu sou de carne e osso até a alma
Eu não sou feita de pedra
Tenho direito de errar..."

Então o sinal abre e eu tenho que esperar para atravessar a grande avenida. Do outro lado está você que eu nunca vi, mas que pelas precárias condições em que se encontra, teria medo de conhecer. Você não espera o sinal fechar e vem atravessando em minha direção, meio cambaleante, desviando dos carros e suas buzinas enfurecidas. Eu te observo com o coração na boca, admirada com a coragem que só os loucos possuem. O sinal fechou neste momento me permitindo atravessar, mas algo me paralisa, porque você continua me olhando como que dizendo: "Espere, tenho uma coisa aqui pra você".

Então, entre o alívio de você não ter sido atropelado bem na minha frente e o medo do que seus olhos me diziam, você chega bem perto e atira um pequeno saco de lixo aos meus pés... E Joss naquele momento grita:

"Eu não posso retornar, estou numa missão
Se você se importa, não ofusque minha visão
Me deixe ser tudo o que posso ser
Não me desmotive com negatividade
Qualquer coisa lá fora que está esperando por mim
E eu estou indo disposta a enfrentar..."

Então eu respiro fundo entre a indignação e o absurdo da situação e relevo, afinal, você anda mendigando pelas ruas da cidade, é apenas mais um entre tantos outros esquecidos... e você seguiu com a sua viagem insana tendo só Deus como companhia absoluta, me deixando ali a refletir sobre todas as dores do mundo, numa fração de segundos.

[Du]

[Texto publicado em 04/07/2008... republicando]


Fonte da imagem

2 comentários:

  1. Os mendigos estão nas ruas e se fazem notar, mesmo na pressa do que nos interessa de fato. Um abraço, Yayá.

    ResponderExcluir
  2. Du,

    Às vezes parece que são invisíveis mesmo, e em grande parte por culpa nossa, que achamos mais cômodo fingir que não existem. Este mundo é muito besta para certos tipos dede coisas, fico até me perguntando se somos mesmo "humanos".

    Beijus.

    ResponderExcluir