Fragmentos de @denisonmendes
Ex. Crê. Ver... Não escrevo para encontrar, mas para me embrenhar ainda mais no desconhecido, no mistério, no segredo. Não faço da escrita o comércio dos meus sentimentos com a finalidade de devorar as tuas emoções. Não faço do ato de escrever a ânsia desesperada de ser aceito, condecorado, amado, respeitado, reconhecido, premiado, desejado. Não acredito que escrever da mesma forma, como se uma fórmula fosse, seja a busca. Percorrer o mesmo caminho só nos leva ao mesmo lugar. Aquilo que escrevo é superior a mim e infinitamente inferior a quem lê. Esta é a miséria de quem escreve.
Assim passamos... Quando chegamos em nossos lares, fechamos as portas e esquecemos o que fica do lado de fora. Já não pertencemos mais àquela realidade. Ligamos as janelas luminosas é não somos mais nada, apenas uma horda de zumbis, repetindo jocosidades e banalidades das celebridades da moda. Na real somos um bando de espectadores da tela, da teia, da vida, de tudo. Democracia não se pratica com o controle-remoto na mão.
Twitterapia... O pecador aninhou-se nas redes sociais, só companhias parabólicas virginais. Virgem Maria, mar adentro nas ondas vertiginosas na oração reduzida. O santo pediu a bênção, mas a ira apenas ria da sua sagrada valentia. Os seguidores observavam aquele movimento na autoestrada etérea, e vice-versa. Viste o verso que falava de amor, tédio e qualquer outra bosta de alucinação e tragédia que a nada pertencia. O avatar elidia a tua vontade de colocar fogo na tela e queimar e arder e deixar para trás tua sede, tua fome, teu medo, teu colo, teu sexo, teu intenso não saber o quê.
Arribação... Quem sou este indivíduo medíocre, que se acha o relicário de toda inspiração{!} e detentor de todas as glórias da arte{?} Quem sou este nós, o avesso do eu, que da púrpura aura pura convoca escuridão, o crepúsculo inescrupuloso que transborda e deságua em lugar nenhum{?} Quem é este ninguém que da sombra confessou, com fé, sou beato de crença alguma{!} e retira do silêncio a intimidade do olhar{?} Quem sou estas chaves de interrogações e exclamações muitas vezes de absurdos da mudez medonha das grades e da cela que revela insensatez{?} Quem sou soou de mim, feito sino, sina... Quem vou voou de mim aladas, caladas, vozes de arribação...
Musa... um dia me deu vontade de saber que os anos passam e eu nunca fui. tu disseste que não falo. fujo. só durmo. um gemido sufocado de foucault ficou ao longe querendo encontrar um eco. sob o teto do viaduto alguém acende uma fogueira. no outro lado da vida alguém ouve uma canção. dentro daquele ônibus tudo passa tão rápido. alguém está deitado. simula seu próprio enterro. sério, olha ao céu cinza claro. cicatrizes, manchas, insetos, um incerto drama, boceja. em meus rascunhos do imaginário vejo reflexos: cacos de luz nos retalhos do espelho. uma orquídea exposta ao vento suspira cartas atávicas de um redentor à margem da linguagem. ela escreve crônicas do vento: aos pés do dois irmãos. mãos que vão pelos vãos do corpo. as correspondências de uma íntima estranha me faz engolir tempestades e perguntar: e se eu te morrer, o que farei com um livro de saudades? eis que o lápis rabisca um lapso na folha, uma linha, uma lenha, uma lã. aqueço. esqueço o engano bordô na borda tinta do lábio, cálice. calo-me em ti. é, eu sei, diante de tamanha beleza, minhas palavras não são nada. devo ficar assim, sem olhos, sem cheiros, surdo, sem rosto. mas quero que saibas que sou aquele que te defenderá de toda a anônima manifestação. sou a lua azul sobre um negro céu sem estrelas. beijo-te, lábios em transe. como se ninguém sei, fui...
Bilhete... caso me encontres por aí neste dia de chuva e de olhares cinzas, diga para mim que ainda sinto saudades dela e que há ainda tempestade. se me vires chegar à casa e me deitar à cama de lençóis maculados, sussurre no meu ouvido que ainda penso nela, apesar de meus cansaços. pode ser que me vejas saindo daquele bar, alta madrugada, uma calçada, uma placa “PARE”. diga-me que já é tarde e de meus fracassos. e depois das tempestades, dos cansaços e fracassos, quando eu acordar olha-me no espelho e me conte que estamos todos bem. se hoje me encontrares ouvindo o tempo neste dia que se faz todo azul na planura do céu, diga-me que não vá para casa, não estarei lá. se me encontrares por entre fendas e rasuras, diga-me que não siga o curso da multidão, peça que eu me pergunte sobre mapas e estrelas. se me enxergares com ela entre fumaça e embriagados olhares, fale baixinho no meu ouvido que ainda sou o dono de mim. caso me encontres sentado na severa garganta da noite com uma garrafa nos lábios, não me diga quem sou... a madrugada dirá. não me procures na miragem do espelho, sou o vulto caído no chão a abraçar o infinito.
Agora... Agora suspendes toda a falta, fé e fome. Cansaços. Voltas o olhar para dentro do sonho, as imagens se multiplicam, e tu dentro dele. Sonhei. Agora procuras algo dentro de algo que alguma vez havia. Mãos impacientes tremem na trama que teço. Impassível, observo teu drama. Agora coloco em ti aquilo que em mim é excesso. Faço que penses: um dia liberto-me do domínio do discurso do amor. Ardo, página acesa. Agora os ponteiros rebelam-se contra o sentido. Reclamam a direção para si. Perco-me numa das curvas dos oitenta, sem hora nem placa. Escuta.
Hoje... Hoje há uma vontade de dar um nó na nuvem que carregas no olhar. Eu sei. Hoje tens o tédio dos telhados. A monotonia de um dia sem sol, chuva e vento. Queres uma revolução subversiva de versos e beijos. Eu vi. Hoje abrisse o livro das coisas já escritas. Sentisse saudade das palavras ainda não nascidas, uma vontade insana de rejuvenescer. Eu li. Hoje há tensão no olhar! Rasgas todas as histórias precipitadas. Enquanto cais no abismo reescreves teu próprio poema-destino. Eu senti.
Cura... Olho pela janela a treva do mundo, formigas em rebanho negro na trilha do abismo. Oferendas ao totem-corvo, à colheita da esmola-níquel. Vejo pelo vidro bafejado de chuva faróis, semáforos, sinais, placas que indicam caminhos, embalo dos trilhos carregados de tristezas. Esqueço que lá fora há pés que calçam o chão, a mão solitária que entrega a palma por uma moeda, lá fora é sempre batendo a secura do não. Lá fora é sempre esquecimento a pedir um pedaço de dentro, um olhar rebento que arrebente o muro e reinvente o céu. Lá fora há a mudez amarga das harpias e a nudez fauna dos fâmulos... somos reféns da miopia de vidros estilhaçados e espelhos baços. Agora, os olhos caídos secaram, não há mais o bater das ondas no descampado do avesso, é ausência mudando a estação. Vamos, diga toda a tua escuridão que transborda nuvens, pedras, cinzeiros, relâmpagos e trovões cravados na minha carne já curada de ti e de tudo. Cravejado de lágrimas.
Homentecapto... Verás homem horrendo e triste que nada a ti resiste, nestes tempos de desvario e impostura. És o artífice da loucura e a ti nada mais resta e em ti nada mais presta. Dedo em riste digo-te: - Presta, pois, atenção! Estás à deriva. À mercê da iníqua sorte. A morte é teu caminho possível e inexorável fim. Avante!, companheiro de procissão... Enfrenta teu destino. Insepulto desatino - ânsia de poder e de glória. Dos umbrais da imemorial nudez, os vestígios de tua conduta, insulta, e resulta na mais pérfida insensatez. O diabo é teu pastor e nada te faltará! E do reino celestial de púrpura cor, observa silente, a tua desdita embriaguez. Solerte, desdenha e gargalha: - Não sobreviverá!.. Um cortejo de chicaneiros e arrivistas te acompanha, e pelas frestas das sombras atormenta e viceja. Que assim seja!
A dor pesca... O pescador ergueu o caniço e lançou-se nas profundezas – úmida e cálida – da noite. E ela lá pensando entre o galope e a espera da pequena morte que nunca virá. E quantas mais não virão? Indagou-se várias vezes enquanto os peixinhos não se libertavam da rede tentacular e o cardume não mergulhava na anágua límpida e transparente. É tenra e alva a carne, que um dia há de se consumar pelo consumo cotidiano do povo rude e sujo do fundo do rio e do mar.Olhou em volta. Na televisão cenas em preto e branco, caóticas como aquelas que vivia. Riu. Sussurrou. Gemeu sem querer…Há de ter de levar de comer ao filho e de beber ao homem. Por isso sobrevive naquele aquário estúpido. Ganhar migalhas na insalubre insânia dos indoutos. Sem indulto. Só insultos à cara, ao corpo, coração, cansados de querer apenas um cadinho de atenção.
Corpo... Corpo: vias congestionadas, ruas cheias de vida, vielas, becos escuros, bocas entupidas de palavras vãs, esquinas nuas, mentiras iras da mente, retirantes líquidos, sopros de nada, tempestades de tudo, vagas lembranças, esperas eternas, uma casa vazia, olho do furacão, vidraças quebradas, muro pintado com letras trêmulas, preâmbulos regados a lágrimas, pálpebras cerzidas, desperdício de olhares, abundante enredo de uma cidade a ser descoberta, véu, céu, ao léu das tuas mãos, dedos da chuva...
e o médico perguntou:
o que sentes?
sinto lonjuras, doutor.
sofro de distâncias.
e no espelho d'água o vento
desenha o céu em guache
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Twitter @denisonmendes
querida, vejo-me aqui de peito aberto, fragmentado, partículas elementares da minha existência k-ótica, na pretensão de pluralizar o mundo com a singularidade de um ser que escreve o que sente, nas andanças pelos páramos da vida, com o olhar da dúvida. vejo-me aqui coração que sangra, lágrima nua na carne que arde. vejo-me aqui entre poetas e poetisas, cavaleiros e amazonas a lutar com seus moinhos de versos.
ResponderExcluircomovido com a tua homenagem,
um beijo,
denison
Que coisa linda!!!
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