Fragmentos de Rita Schultz - @ritaschultz
By Rita Schultz |
A vida na cidade era difícil. Ela rezava, constituidamente feminina, o dente violento ferindo o lábio trêmulo. Encolhida, espiava as pessoas na calçada, amarelas, vermelhas, brancas, pretas; eram um varal de roupas secas remoendo os corpos ao sabor do vento. Não via o azul do céu. Aliás o céu tinha desaparecido lá onde as garras dos prédios se encontravam. Pouco a pouco definhava, devorada pela fome. E resistia. Bamboleava para um lado, para o outro na avenida central, aquela mulher.
Depois viu que muita coisa estava perdida. Lembrou-se comovida da laranjeira no fundo do quintal, da jabuticabeira, das águas incansáveis da cachoeira deslizando devagar. Mas isto era apenas lembrança de um tempo longe. Nada havia de pequenas flores na encosta dos caminhos, a calçada ia morrinhenta, por vezes, até corria, fugindo das pontas dos seus dedos tão desiguais.
Quando a madrugada chegou, ela atravessou outra vez a mesma rua depois de circular em início e fim na margem da vida. Viu nas luzes portas fechadas, lojas vazias, os manequins inglórios impotentes. Ao passar junto a eles, diante da vitrine colorida, lembrou-se das pedras, do fundo do jardim da sua casa e chorou. Mas estava invisível para os manequins, por isso desceu a ladeira como se estivesse nadando nas águas calmas do rio intenso da sua intensa memória.
Sentou-se fatigada. Precisava encontrar a lua. Olhou o céu, a testa em alto. Adiava-se: mais definitivo seria deixar-se penetrar por coisa alheia. Um homem qualquer. Seus pés calavam-se na imensidão. A mão estendida. Uma.
Distinguiu qualquer coisa diferente, desassossegado o coração. As mãos grossas desconhecidas, devagar se aproximaram, tocaram-lhe o ombro e depois um frêmito fechou-lhe a própria mão. Os pensamentos penderam, desanimados. Mas viu na palma da mão brilhando debaixo da marquise, ela, a moeda.
Acabou-se. A fome acabou-se. Reconhecido o número, desapontou-se: pouco, tão pouco. Mas as luzes ainda piscaram na fachada: e ela saiu de lá segurando firme o sorvete desejado. Chocolate. Estremeceu mais uma vez reconhecendo um sorriso de leve em si mesma.
Deu de encontro a si uma carinha suja, redonda; olhou para baixo, os cabelos duros. Ele olhou primeiro para o sorvete, depois para os olhos dela como fazem os cães. Ela lambeu o chocolate e deu um passo de lado para desviar-se.
Outro passo. Mais um. Voltou; ei, gritou a mulher para o menino na madrugada. Um arrepio na alma.
Deu-lhe as costas depois continuando o caminho. A noite acordava da agonia sonolenta. Para os lados de lá o sol se erguia. A luz espalhou-se outra vez vermelha, quase alaranjada no dia. Outro dia. As mãos vazias.
Tristesse
Escuta-me transpondo as muralhas.
Transformaram-se nos fins das tardes
meus sonhos aéreos submissos.
Trouxeste a mim teu coração humano admirado.
E mais serena
e mais longe
principia o meu passo.
É preciso que eu aprenda teu pensamento
e meu silêncio
e teus olhos
e todos os momentos.
Descrevo-me sem saber a que me vou.
Se ao destino a que pertenço
se à tua presença
se ao nada.
Contudo, fala-me da vida
da aventura.
Fala-me um pouco de ti.
Mais nada.
by ritaschultz O Acaso |
Para que o tempo e o lugar não parem
Para que a boca inquieta se perca no vermelho
Para que um beijo sem fim transcenda a emoção
Por aquela gota de lágrima que escorre no azul
Para o sorriso que um carinho não consegue negar
Para ouvir tua risada neste meu silêncio absurdo
Para tocar teu peito com esta mão que nem se prende
Teu cabelo, tão negro como a noite perfumada…
Para isto!
Para muito mais!
Ou por acaso!
Verei teu rosto de longe me sorrindo!
Ou de mim não se verá mais nada!
Modigliani (by ritaschultz) |
Meu Destino
no tapete vejo a camisa branca atirada
a meia de seda esquecida
a meia de seda esquecida
no cetim macio relembro
na prata do espelho cristalizo o amor
e sorrio sem medo
na prata do espelho cristalizo o amor
e sorrio sem medo
resta-me depois de tudo
o traje completo vestir
o perfume…
o batom…
e as pérolas insensíveis recolocar…
o traje completo vestir
o perfume…
o batom…
e as pérolas insensíveis recolocar…
abro a porta
não olho para trás
certamente voltarei
aqui me esperam o sonho
a liberdade…
não olho para trás
certamente voltarei
aqui me esperam o sonho
a liberdade…
e pretensiosamente assumo:
meu destino é sempre voltar a ti…
meu destino é sempre voltar a ti…
red rose |
Doce Ilusão
Despe-me em cores o teu olhar
Do profundo de mim voltam-me artifícios
de rituais
de perplexidades
de magias
de sedução…
Como um guerreiro vencido
na permissão do abraço submerso
improvisado
repentino…
Para me vestir do azul
para que não vague minha alma num deserto errante
para que não se cale meu corpo à procura do teu
te busco
e te sorrio.
Sempre.
Escritora por necessidade respiratória e artista plástica por acaso. Nas horas vagas e nos intervalos, mãe de gente grande. Da meia-noite às seis, pura poesia. Membro da Academia Poços-caldense de Letras, cadeira 10, cuja patronesse é Cecília Meireles, do Portal dos Escritores. Colunista do Portal Sandra Cajado “Arte e Cultura” :
Algumas palavras minhas estão vagando por aí:
“Poetas Brasileiros de Hoje” e “Uma Mulher-Poemas”.
Romance de ficção “Corpo Cindido” (lançamento na 21ª Bienal Internacional do Livro, São Paulo, em agosto de 2010).
No prelo, “Tábua de Acácias – Trinados Poéticos”,“Brisa” (segundo volume de “Corpo Cindido”) e “Amores Imperativos”, romance de ficção.
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Du, que delícia ler a Ritinha aqui!!!!
ResponderExcluirEssa poeta encantadora, pessoinha maravilhosa merece muito está nesse cantinho especial...
A Ritinha é um doce e ó, vale muito a pena ler Corpo Cindido!!!
Beijos..
Amo vc, Duzinha!!!!
Bom dia, parmita-me...
ResponderExcluirMenina dá-me a mão leva-me com o amanhecer do dia, me ensina poesia, deixa meus olhos brincarem de roda na ciranda da literatura, faça de mim uma nova criatura, valorizando o pudor de sentir a beleza poetica do amor.
Belo teu trabalho, paz ao teu coração e seja feliz!